O legado das estrelas

“Você viajará para longe, meu pequeno Kal-El. Lá fora, entre as estrelas, você viverá. E irá para um mundo distante, diferente. Logo você será único. Às vezes, se sentirá excluído, um estranho, mas será uma referência para eles, um deus. Além disso, nunca estará sozinho. Nunca o abandonaremos, mesmo após nossa morte.

Adeus, meu filho. Esperanças e sonhos viajam com você.”

Belas palavras, mas talvez Kal-El delas não se lembre. Entretanto, em algum lugar escondido em seu inconsciente, elas viviam e reverberavam: ainda que o menino Clark tenha sido uma criança tímida e com algumas dificuldades para lidar com o surgimento de seus poderes na infância e adolescência, ele possuía uma grande força interior, uma sabedoria transmitida não somente pelos pais adotivos, mas como se aquelas palavras ditas por Jor-El estivessem gravadas em sua memória, acessadas, sem querer, sempre que fosse necessário.

E foi muito necessário ser sábio ao ter de encarar o fato de ter quebrado, sem querer, o braço de Pete Ross ao jogar futebol americano com ele; ou quando, constrangido, teve sua visão ultrapassando a barreira que a porta do vestiário feminino representava, permitindo-lhe (ou obrigando-lhe?) ver Lana Lang apenas de calcinha e sutiã. Lana, aliás, foi a primeira amizade a descobrir seus poderes, ao ser salva por Clark das lâminas de uma colhedeira.

- Sou mais forte que aço!! – gritou o então garoto, todo contente, depois de perceber que não tinha nenhum arranhão.

Mas a vida terrena também lhe daria alguns testes difíceis: por vezes foi chamado de aberração, desprezado em jogos colegiais, preterido em trabalhos de grupo pelo seu jeito diferente, contido, mas, novamente, soube resistir, caindo e se levantando, como um super-garoto! Porém, Clark seguia as orientações de seu pai, Jonathan: era preciso tomar cuidado, não se expor, esperar o momento.  Só que Jo sabia que o passar do tempo representava uma contagem regressiva: a cada dia o último filho de Krypton se aproximava de revelar ao mundo suas habilidades.

Enquanto isso não acontecia, dois irmãos eram resgatados de uma inundação. Um incêndio em uma fazenda se apagou sozinho. Um carro despencou de um barranco e não sofreu nenhum dano – “eu juro, o carro planou e parou suavemente no chão”, disse o motorista. Acho que as autoridades pensaram que ele estivesse bêbado...

- Quer ajuda, pai?

O que seria de Clark sem os Kent e o que seria dos Kent sem Clark? Não é tão fácil responder a essa questão, mas fato é que seriam completamente diferentes. Kal-El mudou radicalmente a vida de Jonathan e Martha, ao passo que eles influenciaram diretamente a vida do kryptoniano.

Clark, Jonathan, Martha.

- Meu filho, não precisa, eu vou comprar a máquina de solda e...

- Está resolvido, pai. Te amo.

Uma rápida rajada de calor e pronto!, já estava novinho em folha o trator do fazendeiro. Enquanto isso, Martha os convidava, “o almoço já está pronto, meninos!”, e é justamente isso que Clark trouxe para a família Kent, o frescor da juventude, a razão das tortas feitas pela sua mãe e da participação do filho nas práticas de arado da terra com o pai, a felicidade de ver alguém tão diferente ser mais humano do que muitos humanos. E, obviamente, em tudo, absolutamente em tudo, Jo e Ma têm total responsabilidade. Para muito além dos poderes, Clark se tornou um homem bondoso, amoroso, responsável. E preocupado em ajudar as pessoas, em usar seus poderes para o bem das pessoas.

- Você pode fazer o que bem entender, filho, desde que acredite de todo o coração. – disse Martha.

Clark sorriu. Ali, os três souberam que Smallville tornara-se pequena para o rapaz. E que o dia em que o mundo conheceria o que ele podia fazer estava cada vez mais perto.

É claro que houve e ainda há momentos em que Clark se sente só neste mundão todo. Se pega olhando as estrelas, como se esperasse uma resposta às perguntas “estou sozinho? sou mesmo o último?”. Na verdade, essas são respostas que não importam. Clark nunca estará sozinho e pode não ser o último, mas é único.

É um super-homem.